DANO MORAL AFETIVO
O Instituto do Dano Moral vem ganhando contornos maiores a cada dia que passa.
A princípio o Dano Moral, previsto na CR/88, estava praticamente circunscrito ao ataque ao patrimônio moral, não material, por ofensa a um dos atributos da personalidade, dignidade da pessoa humana.
Previsto na CR/88 apenas o dano material e moral ou à imagem (art. 5º, V), protegendo-se a inviolabilidade da intimidade, vida privada, a hora e a imagem (direitos de personalidade), originando, por sua violação, a obrigação de indenizar por dano material ou moral (art. 5º, X).
Firmou-se o entendimento de que são cumuláveis o dano material e moral oriundos do mesmo fato (súmula 37 do STJ).
Não obstante constitucionalmente estar previsto apenas o dano material e moral, a jurisprudência dominante vem aprovando também o dano estético como dano autônomo, desvinculado do dano moral e com ele cumulado. Embora não seja entendimento unânime, a maioria já entende assim, praticamente criando um tertium genus, criando o dano estético.
Agora surge uma nova polêmica, com o surgimento de entendimento, já em corte superior,do dano moral por abandono afetivo ao filho.
Não resta duvida que os pais têm a obrigação moral de cuidar e educar o filho e deve também amá-lo, entretanto o amor, o afeto, são sentimentos e, a princípio, sentimento não pode ser dever, portanto não se pode punir alguém por não amar. A falta de amor e de afeto não é ilícito civil, não é antijurídico. A obrigação emanada da lei é cuidar e educar, principalmente no sentido de manter e formar. O abandono material já implica em ilícito penal, conforme prescreve o artigo 244 do Código Penal, mas não é ilícito civil, não é atitude antijurídica.
Uma coisa é não prover o filho por não ter condições financeiras para tal (e isto não é crime) e outra é promover o abandono material, ou seja, deixar de prover por voluntariedade. O artigo 244 do CP faz esta menção para filho menor de 18 anos.
Analisando-se esse dispositivo penal com o que se vem conceituando por Dano Moral por abandono afetivo pode-se chegar à conclusão que condenado um genitor no artigo 244 do CP, automaticamente estaria ele também condenado a pagar indenização por dano moral por abandono afetivo, falta somente fixar o “quantum”.
Mas o assunto é mais complexo e precisa ser estudado pelo fato concreto, pois pode haver caso em que o pai não se faz presente na criação do filho e não ensejaria o pleiteado dano moral. Não é raro ocorrer que o genitor que detém a guarda nem mesmo permite a aproximação do outro, às vezes muda e nem endereço deixa. Só não se esquece de deixar a conta bancária para receber a pensão. Às vezes nem isto deixa, mas não é comum.
Como dizer, nessa situação, que houve abandono afetivo? Como dizer que o pai faltou com o dever de auxiliar na criação e formação do filho?
O não amar não é ato ilícito, pois é um sentimento e em sendo assim não pode gerar dano moral ao filho, mesmo porque uma condenação pecuniária por esse “dano moral” de não amar, não ter afeto, não irá fazer com que o pai passe a amar.
Sabemos que a filosofia da indenização por dano moral não visa compensação financeira, mas tem uma dúplice função de desestimular o ofensor (função pedagógica) e a de diminuir a dor provocada pela ofensa.
Não se pode transformar a falta de afeto em valor econômico sem se romper com a finalidade do instituto.
Principalmente quando ocorre de o filho pleitear dano moral por abandono afetivo depois que passou pela infância, pela adolescência e já se encontra na fase adulta. Nesses casos há o grande risco de um enriquecimento ilícito, sem causa mesmo, gerado por um oportunismo e ganância. Essa indenização só vai gerar receita para o “ofendido” (?) e não se verá nenhum caráter pedagógico.
Pais se separam e às vezes passam a viver em Estados diferentes, às vezes em até países diferentes, e na maioria das vezes nem a situação financeira permite o deslocamento para presença constante na formação do filho, nem contato mantém. Poderia esse fato caracterizar abandono afetivo e gerar indenização por dano moral? No me entender, não.
O STJ já possui entendimentos divergentes nesse assunto. Turmas e seções já decidiram de forma diferente, uns aceitando esse tipo de dano e outros não. Muita discussão ainda veremos nesse assunto até que se harmonizem o entendimento por uma uniformização.
O alargamento desse entendimento por Dano Moral por Abandono Afetivo cria o início de estender esse conceito além de pai para filhos, mas para também de cônjuge para cônjuge. Um movendo ação contra o outro por um abandono moral afetivo que resultou em um divórcio.O cônjuge, que prometeu amar para sempre, em todas as situações até que a morte os separe, deixa de amar e por isto deve ser condenado a reparar esse “dano por abandono afetivo”. Poderia chegar ao absurdo de forçar o amor por receio de ter que pagar uma indenização.
Será que não estaríamos forçando uma afeição, um amor entre parênteses? De fachada, apenas para evitar ser acionado e condenado por dano moral por abandono afetivo?
Para existência de um dano moral os requisitos são: a existência do dano, a conduta antijurídica do agente e o nexo causal entre o dano e conduta antijurídica.
Não vemos ser antijurídico o não afeto, o não amor, portanto falta o elemento de conduta antijurídica para caracterizar esse dano moral.
Quando há a perda do poder familiar o genitor que o perde já se afasta do convício com o filho, portanto ocorre o afastamento do vínculo afetivo. Assim sendo, em situação desta, uma ação por dano moral por abandono afetivo em precisaria de um regular desenvolvimento de processo, pois já vem com a prova pré constituída, o que contrariaria o princípio processual e constitucional do devido processo legal.
O oportunismo pode mover muitas ações por dano moral por abandono afetivo, portanto todo cuidado é pouco para se analisar um pedido nesse sentido.
Vejamos o que decidiu o TJMG a esse respeito:
“..... O pedido de reparação civil por dano moral, em razão de abandono afetivo, nada tem a ver com o direito da personalidade, com direitos fundamentais ou qualquer garantia constitucional, constituindo mera pretensão indenizatória com caráter econômico , estando sujeita ao lapso prescricional”. (Ap C. 1.0702 11 013785-9/001, Rel. Des. Wanderely Paiva, j. 13/03/13).
“O abandono afetivo do pai em relação aos filhos, ainda que moralmente reprovável, não gera dever de indenizar, pois não caracteriza conduta antijurídica e ilícita”. ( Ap.C. 1 0194 098 099785-0/001, Rel Des. Tiago Pinto, j. 07/02/13).
Texto escrito por Dr. Hélcio Lessa